O TRABALHO DE GRÁVIDAS E LACTANTES EM AMBIENTE INSALUBRE
O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal), maior autoridade jurisdicional no Brasil, decidiu, por 10 votos a 1, que as mulheres grávidas e lactantes não podem trabalhar em atividades insalubres, independente de autorização médica ou de outra circunstância. A decisão, pela primeira vez, torna sem efeito um dispositivo trazido pela Lei nº 13.467/17 (“Reforma Trabalhista”) e que permitia o labor deste específico grupo de trabalhadoras (grávidas e lactantes) em ambiente insalubre, em determinadas circunstâncias.
Em 11.05.2016 foi publicada uma lei (13.287/16), sancionada pela então presidente Dilma Rousseff, que acresceu à CLT o art. 394-A, tratando especificamente do trabalho de gestantes e lactantes em ambiente insalubre. A redação do referido artigo não deixava qualquer margem para dúvidas acerca da impossibilidade da gestante/lactante exercer suas atividades em ambiente insalubre, independente do grau ou agente em questão.
Antes que a prática forense pudesse ter tempo para enfrentar a novidade, já em 10.11.2017, o art. 394-A passou a ter uma nova redação, por força da Lei nº 13.467/17 (“Reforma Trabalhista”), qual seja:
Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de:
I – atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação;
II – atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação;
III – atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação.
Como se vê, a norma que era rígida, a partir de então, ganhou certa flexibilidade e sua essência era simples. Tratando-se de atividade considerada insalubre em grau máximo, a empregada grávida deveria ser afastada das atividades insalubres, independente de qualquer outra circunstância. A lactante, por sua vez, poderia (ou seja, sem caráter impositivo) ser afastada se houver uma recomendação do seu médico de confiança.
Quando as atividades fossem consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, a norma (art. 394-A, CLT) permitia que a empregada continuasse trabalhando normalmente durante a gestação ou o período de lactação.
Nestas duas hipóteses (insalubridade em grau médio ou mínimo), o afastamento só ocorreria se o médico de confiança da empregada assim recomendasse. Ou seja, a lei conferia à grávida/lactante o direito de escolher — naturalmente, com apoio técnico do seu médico — se permaneceria ou não trabalhando em tais condições.
Portanto, na forma do art. 394-A da CLT, tratando-se de exposição a agentes insalubres de grau máximo, o afastamento era impositivo para a grávida e opcional para a lactante. Porém, se a insalubridade fosse de grau médio ou mínimo, ambas (grávidas e lactantes) poderiam evitar o afastamento, conforme atestado de médicos de sua confiança.
Em apertada síntese, a Lei nº 13.467/17 colocou na mão da empregada – ou melhor, do seu médico de confiança – o poder para decidir se haveria ou não afastamento, a depender da sua condição (grávida ou lactante) e do grau da insalubridade exposta.
A decisão do STF, portanto, não eleva o grau de proteção, que já existia na norma vigente. No entanto, a possibilidade de evitar o afastamento em determinados casos restou suplantada pela Suprema Corte, que declarou a inconstitucionalidade da expressão “quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento”, constante nos incisos II e III do art. 394-A da CLT.
Na prática, a existência de qualquer agente insalutífero nas rotinas da empregada grávida ou lactante é suficiente para impor seu afastamento enquanto perdurar a condição de gravidez ou lactação, retornando o art. 394-A a sua redação original (conferida pela Lei nº 13.287/16), permanecendo vigentes os parágrafos 2º e 3º do artigo 384-A da CLT que tratam, respectivamente, do pagamento do adicional de insalubridade e do enquadramento como gravidez de risco quando não for possível o remanejamento da gestante ou lactante para um local salubre na empresa, ensejando o pagamento de salário-maternidade pela Previdência.
Importante destacar que o Ministro Alexandre de Moraes, relator na ADI 5.938, propôs em seu voto que o art. 394-A, II e III, CLT “diminui a tutela de direitos sociais indisponíveis”, além de permitir a renúncia – expressa ou tácita – do direito à proteção da maternidade a da “integral proteção à criança”.
Outro ponto destacado pelo Ministro foi o fato de que a lei, como posta, confere à empregada o ônus de apresentar um atestado que recomendasse seu afastamento, assim:
A inconstitucionalidade consiste no fato de as expressões impugnadas permitirem a exposição de empregadas grávidas e lactantes a trabalho em condições insalubres. Mesmo em situações de manifesto prejuízo à saúde da trabalhadora, por força do texto impugnado, será ônus desta a demonstração probatória e documental dessa circunstância, o que obviamente desfavorece a plena proteção do interesse constitucionalmente protegido, na medida em que sujeita a trabalhadora a maior embaraço para o exercício de seus direitos. (Voto, Pág. 4)
Os argumentos do Relator foram ratificados pela expressiva maioria da Corte (apenas 1 voto contrário), dando ar de permanência para a vedação intransigente ao trabalho de grávidas e lactantes em ambiente insalubre.
Tal inflexibilidade trará severas dificuldades para as empresas, principalmente nos setores em que a existência de agentes insalutíferos (de qualquer grau) é quase inafastável, a exemplo de alguns segmentos da área de saúde, como os hospitais, com o possível prognóstico de aumento expressivo das situações de enquadramento como “gravidez de risco”, ensejando, por consequência, na mesma proporção, aumento no número de concessões de “salários-maternidade” pela já combalida Previdência Social (§3º do art. 384-A da CLT).
Por fim, é possível dizer que referida decisão representa verdadeiro desafio aos gestores de pessoas e aos departamentos jurídicos das empresas, que precisarão adaptar e remanejar a equipe com criatividade e, talvez, com outras ferramentas trazidas pela Lei nº 13.467/17.
Caso tenha interesse em enfrentar esta nova limitação da forma mais estratégica e inteligente possível, procure seus advogados do Gomes Coelho & Bordin.
Artigo elaborado pelos advogados Luís Alberto G. Gomes Coelho e Leonardo Pamplona do Carmo.