Pandemia da covid-19 não justifica dispensa de mecânico de empresa de ônibus por força maior
Nessa modalidade de dispensa, é devida apenas a metade da indenização prevista na dispensa sem justa causa
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame de recurso de revista da Empresa Gontijo de Transportes Ltda., de Belo Horizonte, que pretendia ver reconhecida a dispensa de um mecânico na modalidade de força maior, com fundamento na pandemia da covid-19. Para o colegiado, as restrições previstas na CLT para esse tipo de rescisão, em que é devida apenas a metade da indenização relativa à demissão imotivada, só se aplicam quando a situação econômica e financeira da empresa é afetada de tal modo que impossibilite a execução parcial ou total de suas atividades, o que não ocorreu no caso.
Força maior
A força maior é tratada no capítulo VIII da CLT, que a define como “todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente”. Ocorrendo esse motivo que determine a extinção da empresa ou de um dos estabelecimentos em que o empregado trabalhe, ele tem direito à metade da indenização que seria devida em caso de rescisão sem justa causa.
Ainda de acordo com a CLT, a imprevidência do empregador exclui a razão de força maior. E, se esta não afetar substancialmente a situação econômica e financeira da empresa, não se aplicam as restrições.
Dispensa
Na reclamação trabalhista, o mecânico disse que fora admitido pela Gontijo em 2004 e demitido em junho de 2020, por motivo de força maior, com o pagamento de apenas 20% da multa do FGTS e parcelamento das verbas rescisórias em cinco vezes. Segundo ele, essa forma de rescisão não seria cabível, pois não houve a extinção da empresa ou do estabelecimento em que trabalhava. Pediu, assim, o pagamento das diferenças devidas no caso de dispensa imotivada.
Pandemia
Em sua defesa, a Gontijo, operadora de transporte intermunicipal e interestadual de passageiros, argumentou que a decretação da pandemia, em março de 2020, e as restrições impostas à circulação de pessoas em diversos estados e municípios levaram-na a operar com aproximadamente 15% do total de sua capacidade. “O transporte rodoviário de passageiros praticamente parou”, afirmou. Com isso, celebrou com o sindicato dos empregados uma ata emergencial estabelecendo que o estado de calamidade pública, reconhecido em decreto legislativo, constituiu força maior para fins de rescisão.
Transferência de riscos
O pedido do mecânico foi julgado procedente pelo juízo da 8ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, que condenou a empresa ao pagamento das diferenças, e o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) manteve a sentença. Embora entendendo que a empresa devesse adotar medidas para buscar seu reequilíbrio econômico-financeiro, o TRT considerou que ela não poderia transferir os riscos da atividade econômica para os empregados, que também sofrem os efeitos da situação.
Medida Provisória
No recurso de revista, a Gontijo reiterou seus argumentos e sustentou que a força maior fora reconhecida pela Medida Provisória (MP) 927/2020, que dispunha sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento da pandemia. Para a empresa, o TRT também havia desconsiderado a negociação com o sindicato e os instrumentos coletivos firmados em razão da pandemia.
Risco previsível
O relator do recurso, ministro Agra Belmonte, observou que o TST vem decidindo que a dificuldade financeira enfrentada pelas empresas, por constituir risco previsível da atividade econômica, não se enquadra como episódio de força maior. Embora a MP 927/2020 (que caducou e não foi convertida em lei) tenha equiparado o estado de calamidade pública relacionado à covid-19 a essa hipótese, o artigo 502 da CLT, plenamente válido no período de vigência da MP, estabelece que o motivo de força maior só se caracteriza quando há a extinção da empresa ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, o que não é o caso, já que a Gontijo não encerrou suas atividades.
Diálogo e bom senso
Para o relator, o foco das normas editadas pelo governo federal para o enfrentamento da pandemia (notadamente as MPs 927/2020 e 928/2020, que caducaram, e a MP 936/2020, convertida na Lei 14.020/2020), que promoveram a flexibilização temporária em pontos sensíveis da legislação trabalhista, não foi permitir rescisões contratuais ou a mera supressão de direitos de forma unilateral e temerária por parte do empregador. “O objetivo foi exclusivamente proporcionar meios mais céleres e menos burocráticos, prestigiando o diálogo e o bom senso, para garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais e, por consequência, preservar o pleno emprego e a renda do trabalhador”, concluiu.
A decisão foi unânime.