Justiça mantém demissão de trabalhador que recusou vacina
A Justiça do Trabalho tem validado demissões por justa causa de funcionários que se recusaram a tomar a vacina da covid-19 – imposta como condição para o retorno ao regime presencial ou híbrido. Há decisões de primeira e segunda instâncias. O entendimento é o de que a recusa constitui falta grave por descumprimento de uma regra da empresa e que deve prevalecer o bem da coletividade.
O tema ainda não chegou a ser analisado no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Atualmente, existem cerca de 1,6 mil processos que discutem justa causa e vacinação, segundo levantamento feito pela empresa de jurimetria Data Lawyer Insights, a pedido do Valor.
Com a justa causa, o empregado perde praticamente todos os direitos de rescisão. Só recebe saldo de salários e férias vencidas, com acréscimo do terço constitucional. Fica sem aviso prévio, 13º salário, multa do FGTS e seguro-desemprego.
As decisões são baseadas na Lei nº 13.919, de 2020, que dispõe sobre as medidas emergenciais de combate ao coronavírus e conferiu às autoridades públicas o poder de adotar a vacinação compulsória contra a covid-19. E também em julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF).
Os ministros decidiram sobre a obrigatoriedade da vacinação, com sanções que podem ser impostas por Estados e municípios aos que se recusarem (ADI 6586 e RE 12678 79). Além disso, o ministro Luís Roberto Barroso suspendeu a Portaria nº 620, de 2021, do Ministério do Trabalho e Previdência. A norma considerava discriminação a obrigatoriedade de certificado de vacinação em processos seletivos, assim como a demissão por justa causa (ADPFs 898, 900, 901, 905 e 907).
A demissão por justa causa está prevista no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Os casos de recusa da vacina, em geral, são enquadrados na alínea “h”, que trata de ato de indisciplina ou de insubordinação às regras da empresa.
Recentemente, a Latam conseguiu decisão favorável para manter demissão por justa causa de uma funcionária de Cuiabá (MT) que não quis se vacinar. Segundo o advogado Luiz Antonio dos Santos Junior, sócio da área trabalhista do Veirano, que assessora a companhia aérea, a vacinação tem sido incluída nas normas de medicina, segurança e saúde de trabalho.
“A recusa significa que o funcionário descumpriu uma norma interna da empresa, preocupada em proteger o ambiente de trabalho e também a coletividade”, diz o advogado, acrescentando que, desde o início da vacinação, em janeiro de 2021, a Latam fez treinamentos, campanhas de conscientização, abriu um canal de comunicação e deu como prazo máximo o dia 31 de dezembro de 2021 para que os funcionários se vacinassem. “Com exceção aos casos com atestado médico.”
No caso da funcionária de Cuiabá, a alegação apresentada foi a de que ela não se vacinou por ter alergia à proteína do ovo, substância usada em algumas vacinas. Também afirmou que tinha poucas informações sobre os efeitos colaterais dos imunizantes. E que, diante da possibilidade de ser demitida, resolveu tomar a vacina, mas teve Influenza A, que a obrigou a aguardar alguns dias, quando foi dispensada.
Ao analisar o caso, contudo, o juiz Juliano Pedro Girardello, da 6ª Vara do Trabalho de Cuiabá, entendeu que a recusa, quando injustificada, constitui falta grave que pode ensejar a justa causa. Para ele, a ampla imunização da população assumiu papel imprescindível na contenção da covid-19, “havendo estimativas de que as vacinas já evitaram cerca de 20 milhões de mortes ao redor do mundo, conforme estudo divulgado pela revista científica Lancet”.
Na decisão cita a Lei nº 13.919/2020 e os julgamentos do STF e afirma que as alegações da trabalhadora não o convenceram. Primeiro, porque as vacinas contra a covid-19 não possuem a proteína do ovo em suas fórmulas. E que não poderia alegar falta de informação – as bulas das vacinas estão na internet e há um canal de comunicação com a empresa.
Também afirma que ela não provou estar gripada porque o CID indicado no atestado seria de sinusite e poderia pelo menos estar com a primeira dose (ou dose única), levando-se em consideração que o prazo dado pela companhia aérea era 31 de dezembro. “O que revela a recalcitrância da obreira no descumprimento das normas e diretrizes da empresa, caracterizando ato de indisciplina e insubordinação”.
Um professor de música de uma escola de educação infantil que se recusou a tomar vacina contra a covid-19, sob a alegação de que “não há comprovação científica na eficácia da vacina”, também teve sua demissão por justa causa mantida. A decisão é da 8ª Vara do Trabalho de Vitória.
De acordo com a juíza Ana Paula Faria, a postura do trabalhador “colocaria em risco o interesse, o bem-estar e a saúde dos alunos e demais colaboradores da escola, tornando vulnerável todo o ambiente de trabalho”.
Já existem decisões nesse mesmo sentido também nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs). Em São Paulo, a 13ª Turma do TRT manteve demissão por justa causa de uma auxiliar de limpeza hospitalar que não quis se vacinar.
O relator, desembargador Roberto Barros da Silva, afirma que o hospital comprovou com documentos a adoção de um protocolo interno focado no combate e enfrentamento à pandemia. E que a Lei nº 13.979, de 2020, prevê a possibilidade de realização compulsória de vacinação. Ele também lembrou das decisões do STF que confirmam esse entendimento (processo nº 0002688-97.2012.5.02.0012).
No TRT da 11ª Região (Amazonas e Roraima), a 1ª Turma manteve a demissão por justa causa, em março de 2021, aplicada a um mecânico de refrigeração. Para a relatora, desembargadora Solange Maria Santiago Morais, “ele colocou em risco não apenas a sua saúde e vida como também a de seus colegas de trabalho e de toda a comunidade onde convive”.
De acordo com o advogado Fabio Medeiros, do Lobo De Rizzo, embora existam precedentes pela manutenção da justa causa, ainda não há jurisprudência consolidada. Para ele, vai depender muito de cada situação. “Mas nos casos em que ficar demonstrado que a empresa tinha como regra clara a vacinação para todos, que fez programas de conscientização e deu um prazo razoável para os funcionários, a tendência é que a justa causa seja mantida”, diz.
Apenas em situações excepcionais essas demissões por justa causa têm sido revertidas. Foi o que ocorreu com outra funcionária da Latam, demitida em Natal. A juíza Marcella Alves de Vilar, da 1ª Vara do Trabalho de Natal, considerou a dispensa por justa causa arbitrária. Levou em consideração que o fato de estar grávida justificaria uma maior tolerância.
Com a decisão, a justa causa foi revertida. E a companhia aérea acabou condenada a pagar pelo período de estabilidade e a indenizá-la em R$ 4,6 mil, por danos morais.
Procurada pelo Valor, a Latam informou por nota que “a vacinação contra a covid-19 continua sendo importante e que a segurança é um valor imprescindível para a sua operação, colaboradores e clientes”. Em relação aos casos citados, informa que se manifestará nos autos do processo.