A velha-nova “contribuição assistencial” rediviva
Por Hélio Gomes Coelho Júnior*
Em meados de setembro, veio a notícia de que o Supremo Tribunal Federal declarara a constitucionalidade da cobrança da “contribuição assistencial” fixada pelos sindicatos, via Assembleia Geral, e assim previstas em acordos e convenções coletivos de trabalho, a ser paga por todos – associados ou não –, ressalvada a “oposição”.
Agora, 30.10, o acórdão foi publicado.
“Roma locuta, causa finita”: a decisão do STF deverá ser observada por qualquer Juiz ou Tribunal do país.
O Brasil tem 18.008 sindicatos, sendo 12.539 representantes de categorias profissionais e 5.469 de categorias patronais. Tem ainda 696 outras, de grau superior, as denominadas Federações e Confederações. A estrutura é piramidal. Tais organismos de representação geram acordos, convenções e aditivos, no caso 22.489, de janeiro a agosto do ano em curso. Dados públicos assim indicam.
O sindicalismo brasileiro surgiu na década de 1930, com um decreto (ato do Executivo) e foi consolidado em 1943, quando da vinda da Consolidação das Leis do Trabalho (outro decreto do Executivo). Claro assim, a “estrutura sindical” era corporativa, sindicato único, na específica base territorial, com forte controle e dependência estatal. Os sindicatos para atuarem, sim, precisavam de reconhecimento do Estado, que lhes “garantia renda”, através de contribuições compulsórias, independentemente da condição de filiado. Era gostoso tanto para sindicatos obreiros, quanto patronais. O inspirador de tal estrutura – é bom sempre relembrar – foi Getúlio Vargas, no preciso tempo em que governou de modo ditatorial (1937-1945).
Por outras, tanto sindicatos obreiros, quanto os sindicatos patronais, sim, dependiam do reconhecimento estatal que, ao certificá-los à atividade de representação de categorias (profissionais e econômicas), assegurava-lhes “receita certa”.
É bom rememorar: o “script” valia a quaisquer sindicatos (federação e confederações) de empregados e empregadores.
A Constituição de 1988 (art. 8º), que em outubro alcançou 35 anos de viger, fixou que a atividade sindical é “livre” e que a lei “não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato” (ressalvado o seu registro em um cadastro público com o fito de preservar a exclusividade da representação na sua base territorial), pronunciando ser “vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical”. Ela, ainda, acometeu aos sindicatos a “obrigatória participação…nas negociações coletivas”, a “defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”. Também consagrou a liberdade de filiação, assim: “ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato”. Ao fim e ao cabo, ela disse: “a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei”.
A Constituição cidadã proclamou há 35 anos: sindicatos livres, sem intervenção do Estado, com o dever de representar a categoria, e trabalhadores livres para serem ou não associados (filiados) a eles. A produção de acordos e convenções coletivos beneficia a todos.
Quais são as receitas dos sindicatos (de empregados e empresas)?
Em sintético recorte, ei-las:
Mensalidades:
O sindicato é tido como uma pessoa jurídica de direito privado, qualificado como associação, regido por seus estatuto, nele naturalmente fixadas as contribuições devidas e pagas por seus associados, condição esta que decorre do ato voluntário do integrante da categoria, profissional ou econômica, a ele pertencer, filiando-se.
As “mensalidades” têm raiz no estatuto de cada entidade sindical e são devidas e pagas “exclusivamente” por aqueles a ela associados, certo de que cabe à empregadora descontar do salário do empregado associado e remeter ao sindicato o valor da mensalidade estipulada.
Contribuição confederativa:
Prevista na Constituição Federal, mas estabelecida em Assembleia Geral da categoria, só devida e paga pelo empregado ou pela empresa filiada, ou seja, aquele que no sindicato se associa espontaneamente.
O assunto está pacificado pela Súmula Vinculante nº 40 do STF:
“A CONTRIBUIÇÃO CONFEDERATIVA DE QUE TRATA O ART. 8º, IV, DA CONSTITUIÇÃO, SÓ É EXIGÍVEL DOS FILIADOS AO SINDICATO RESPECTIVO”.
Contribuição Sindical:
Prevista na CLT, em valor nela fixado, um dia de trabalho dos empregados, descontado na folha de pagamento de março, e uma importância proporcional ao capital social da empresa, segundo uma tabela progressiva do capital social registrado. Até 10.11.2017, tais contribuições eram devidas e pagas por todos os empregados e todas as empresas, independentemente de serem ou não associados.
Com a “reforma trabalhista”, da Lei nº 13.467/17, vigência a partir de 11.11.2017, a contribuição sindical, antes compulsória e universal, passou a ser voluntária, dependendo de prévio e expresso consentimento do empregado e a da empresa por seu espontâneo recolhimento.
O STF já disse constitucional o fim da contribuição sindical compulsória:
“DIREITO CONSTITUCIONAL E TRABALHISTA. REFORMA TRABALHISTA. FACULTATIVIDADE DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. CONSTITUCIONALIDADE. INEXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR . DESNECESSIDADE DE LEI ESPECÍFICA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À ISONOMIA TRIBUTÁRIA (ART. 150, II, DA CRFB). COMPULSORIEDADE DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL NÃO PREVISTA NA CONSTITUIÇÃO (ARTIGOS 8 º, IV, E 149 DA CRFB). NÃO VIOLAÇÃO À AUTONOMIA DAS ORGANIZAÇÕES SINDICAIS (ART. 8 º, I, DA CRFB). INOCORRÊNCIA DE RETROCESSO SOCIAL OU ATENTADO AOS DIREITOS DOS TRABALHADORES (ARTIGOS 1 º, III E IV, 5 º, XXXV, LV E LXXIV, 6 º E 7 º DA CRFB)”.
Em parcial conclusão, filia-se quem quer e só o filiado paga a “mensalidade” e a “confederativa” para o sindicato. Após novembro/2017, a “contribuição sindical”, que antes era obrigatória e universal, também só é paga por quem a queira quitar.
Contribuição Assistencial:
Como ao início indicado, tramitava no STF, desde dezembro de 2016, um processo (originado no Paraná) que debate a legalidade dos sindicatos fixarem, em acordos e convenções coletivos de trabalho, a contribuição assistencial, a ser paga por todos, filiados (associados) ou não.
A Corte, em 24.02.2017, reputando constitucional a questão, reconheceu a existência de repercussão geral e, por maioria, decidiu:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. 2. ACORDOS E CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO. IMPOSIÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES ASSISTENCIAIS COMPULSÓRIAS DESCONTADAS DE EMPREGADOS NÃO FILIADOS AO SINDICATO RESPECTIVO. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA DA CONTRIBUIÇÃO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. PRECEDENTES. 3. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE”,
Tal julgamento, que teve o acórdão publicado em 10.03.2017, mereceu o recurso de embargos de declaração, indo à sessão de julgamento em 15.06.2022, quando o relator ministro Gilmar Mendes, propôs a sua rejeição, no que foi acompanhado pelos ministros Toffoli, Marques e Moraes, deles dissentindo o Ministro Fachin, que o acolhia, sanava omissões e contradições apontadas no julgamento, sem, contudo, alterar a conclusão a que chegara a Corte, quando dissera indevida a “contribuição assistencial” por parte do não filiado ao sindicato.
Ministro Barroso, então, pediu “vista” dos autos e, em sessão virtual, iniciada em de 14.04.23, apresentou “voto divergente’, para admitir a “constitucionalidade” da cobrança da “contribuição assistencial” dos trabalhadores não sindicalizados, desde que lhes seja garantido o “direito de oposição”.
O voto do Ministro Barroso, que se opunha aos votos até então proferidos (Gilmar, Toffoli, Nunes, Moraes, Fachin e Marco Aurélio (que participara do julgamento de 2017 (único voto vencido) e ao depois jubilado em 2021), levou o relator Gilmar Mendes a rever a sua posição, passando a adotar a tese sugerida pela divergência aberta pelo Ministro Barroso:
“É CONSTITUCIONAL A INSTITUIÇÃO, POR ACORDO OU CONVENÇÃO COLETIVOS, DE CONTRIBUIÇÕES ASSISTENCIAIS A SEREM IMPOSTAS A TODOS OS EMPREGADOS DA CATEGORIA, AINDA QUE NÃO SINDICALIZADOS, DESDE QUE ASSEGURADO O DIREITO DE OPOSIÇÃO”.
Em efeito dominó, adotado pelo relator Gilmar Mendes o voto “divergente”, proposto pelo Ministro Barroso, todos os Ministros que apreciaram os embargos de declaração, com efeitos infringentes, assim decidiram. Por já jubilado, o ministro Marco Aurélio ficou o solitário vencido.
A “contribuição assistencial”, portanto, está rediviva.
O fundamento está no art. 513, letra “e” da CLT, que diz ser prerrogativa dos sindicatos a imposição de contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas e profissionais.
Contribuição assistencial será definida em Assembleia Geral convocada pelos sindicatos (obreiros e patronais), que a queiram instituir, sendo que nela (AGE) será o lugar adequado à “oposição”.
Se a “mensalidade” só é paga pelo associado.
Se a “contribuição confederativa” só é possível de ser cobrada dos associados.
Se a “contribuição sindical” é facultativa…
eis a velha-nova “contribuição assistencial”, que será paga por todos (trabalhadores e empresas), sempre assegurado o direito de oposição, a ser legitimamente exercido pelos interessados (trabalhadores e empresas) na própria Assembleia Geral a tanto convocada para instituí-la. Salvo, se os sindicatos escreverem em contrário.
Eis a ementa do acórdão recém-publicado:
“É CONSTITUCIONAL A INSTITUIÇÃO, POR ACORDO OU CONVENÇÃO COLETIVOS, DE CONTRIBUIÇÕES ASSISTENCIAIS A SEREM IMPOSTAS A TODOS OS EMPREGADOS DA CATEGORIA, AINDA QUE NÃO SINDICALIZADOS, DESDE QUE ASSEGURADO O DIREITO DE OPOSIÇÃO”.
Sobre a oposição, diz o acórdão: “Trata-se de assegurar ao empregado o direito de se opor ao pagamento da contribuição assistencial. Convoca-se a assembleia com garantia de ampla informação a respeito da cobrança e, na ocasião, permite-se que o trabalhador se oponha àquele pagamento. Ele continuará se beneficiando do resultado da negociação, mas, nesse caso, a lógica é invertida: em regra admite-se a cobrança e, caso o trabalhador se oponha, ela deixa de ser cobrado” (sic) (fl. 28).
STF falou, o caso está encerrado. Contribuição rediviva, assegurado o direito de oposição como acima indicado.
* Hélio Gomes Coelho Júnior é advogado trabalhista de empresas e entidades sindicais patronais, negociador coletivo e professor de Direito do Trabalho na PUC-PR, membro do Instituto dos Advogados do Paraná (IAP) e da Federação Nacional dos Institutos dos Advogados (FENIA)