SÓCIO SÊNIOR DO GCB PUBLICA ARTIGO SOBRE REFORMA TRABALHISTA NA REVISTA DA OAB-PR
O sócio sênior do GCB, Hélio Gomes Coelho Júnior, publicou o artigo “Reforma Trabalhista. Temer não precisa” na edição nº. 34, de janeiro/17 da Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná.
A seguir o teor:
Reforma Trabalhista. Temer não precisa.
Escrevo algumas linhas sobre a “reforma trabalhista”, contida no Projeto de Lei (PL) nº 6787, encaminhado pelo Executivo à Câmara dos Deputados à véspera (23.12) do natal.
O “presente”, que tem como destinatário uma porção estimada de quarenta milhões de pessoas com Carteira de Trabalho (CTPS) assinada, inicialmente era para ter sido despachado via Medida Provisória (MP), um extraordinário serviço de entrega legislativa, quando embrulhado a pretexto da “relevância e urgência” (art. 62-CF). Para a sorte de todos alguém, com mínima lucidez, aconselhou: remetamos por PL e assim, feita a nossa parte, deixemos que o Legislativo dele cuide.
Era o mínimo, ainda bem.
E já dormita no Parlamento a “reforma trabalhista” de Temer a aguardar a abertura do ano legislativo de 2017.
Como meus apontamentos são feitos em janeiro e deverão ser publicados em fevereiro ou março e como “no Brasil, até o passado é incerto” (Malan), arrisco-me a prever o futuro.
Eunício Oliveira (senador pelo PMDB e ministro das Comunicações de Lula e genro de Paes de Andrade, que presidiu o Brasil em onze curtas oportunidades, ao tempo de Sarney, e que fez de Mombaça a Brasília por um dia) preside o Senado. E, sim, Rodrigo Maia (casado com a enteada de Moreira Franco, atual secretário especial de Temer, filho de César, que é primo do senador Agripino Maria, que é pai do Deputado Federal Felipe) dirige a Câmara.
Sob tal regência, cada um ao seu tempo, mais uma “reforma trabalhista” será interpretada, com o previsto gran finale: dar em nada.
O país recém saiu de um processo de impedição, o Executivo se equilibra para seguir em frente, o Legislativo está acuado (e mais ficará) e o Judiciário ativo, ativíssimo.
Os tradicionais adversários da reformação da legislação trabalhista, os mentores de sempre (juízes do trabalho (ANAMATRA), procuradores do trabalho (ANPT), Centrais Sindicais, Confederações, federações e sindicatos e uma porção significativa de deputados e senadores de todas as bancadas, porção esta que sempre tende a ficar mais encorpada quando a mídia lhes mira e o ano eleitoral (2018) se aproxima) já estão na rua, nas redes sociais e na grande mídia, a brandir as cantilenas.
Os discursos são os conhecidos, a Carta Política de 1988, pontua a dignidade da pessoa humana e a valorização social do trabalho, como princípios fundamentais, e estampa uma intocável resma de direitos que não se subordina a qualquer negociação, sem embargo da cansada lembrança do princípio protetor, que a tudo justifica.
Os sindicatos, protegidos pela unicidade, que lhes dá o monopólio da representação, e garantidos na arrecadação, que advém de todo e qualquer trabalhador e empresa, associados ou não, ficam na confortável posição de criticar no tom que queiram.
Em épocas outras e em ambientes não tão desfavoráveis, como os atuais, a reforma trabalhista não passou das intenções.
Relembro a recorrência – entendida como reaparecimento frequente de um fato ou fenômeno – reformadora septuagenária CLT (1943): Mozart Victor Russomano (1963), Evaristo de Moraes Filho (1965), Comissões Interministeriais (1974 e 1975), Anteprojeto (1979), PL 5.483 (2001-FHC), este último, ao bulir em um só artigo1, erodiria a CLT (aprovado na Câmara, o Executivo pediu a sua retirada no Senado) e, por fim, o Fórum Nacional do Trabalho (2003-Lula).
Tal arrolamento, que não é exaustivo, serve para confirmar o destino dado às tentativas de reforma trabalhista: o efetivo esquecimento ou obsequioso adiamento.
E, então, chegou a hora?
A vetusta CLT conseguiu e consegue proezas.
Nasceu na Ditadura Vargas (Getúlio), adolesceu na República Liberal Populista (Gaspar Dutra, Getúlio Vargas (trazido pelo voto popular), Café Filho, JK, Jânio e Jango), amadureceu na Ditadura Militar (Castello, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo) e na Nova República (Sarney, Collor, Itamar e FHC) e alcançou a “melhor idade” com os Governos petistas (Lula e Dilma).
E não dá sinais de jubilação.
No curso dessas sete décadas, ainda que recebesse alguns ajustes, por podas ou enxertos, como esforço legislativo-terapêutico que lhe pudesse dar mais sobrevida na regulação das relações entre empresas e empregados, tem-se que a sua estrutura e funcionalidade reservam os mesmos caracteres matrizes.
E muitas das alterações introduzidas na CLT nada têm com a modernidade, servindo mais para o picaresco, demagógico, oportunista e inconsequente.
Algumas pílulas, melhor pérolas, a exemplificar.
O conceito de “aprendiz” foi reinventado, em 2005, pois, desde então, menor é aquele que tem de 14 a 24 anos e não mais só até os 18 anos (art. 428 da CLT). Profissionalismo adiado.
Sabemos todos que o empregador deve pagar salários, quando da ocorrência de alguma falta que a lei considere justificada. Pois bem, desde 2006, todo empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário, “pelo tempo que se fizer necessário, quando, na qualidade de representante de entidade sindical, estiver participando de reunião oficial de organismo internacional do qual o Brasil seja membro” (inc. IX, do art. 473 da CLT). Sindicalistas atendidos, valendo recordar que o Brasil possui mais de 11.500 sindicatos, com índice de sindicalização inexpressivo, abaixo de dois dígitos percentuais da categoria que representam.
A empresa não pode exigir do candidato a emprego a comprovação prévia, por tempo superior a seis meses, no mesmo tipo de atividade (art. 442-A da CLT), desde 2008. Enxerimento indevido do Estado na gestão do negócio privado.
As Centrais Sindicais, que não estão elencadas na Constituição Federal como entidades sindicais, passaram a “receber” a metade da parte atribuída à União derivada das contribuições sindicais descontadas (01 dia de trabalho) anualmente de todos os trabalhadores (CLT) do Brasil e que deveriam ser destinadas aos programas de qualificação profissional. Desde 2008, a metade é distribuída entre as Centrais Sindicais que, de 2008 até hoje, receberam mais de bilhão de reais. (art. 589 da CLT). Até hoje, tramita no STF uma ação que pede a inconstitucionalidade (ADI-4067 de 2008) da nova regra da CLT, pois a contribuição sindical tem destinação específica e também não pode ser repassada a entidade (Central Sindical) que a própria CF não admite como integrante da estrutura sindical. O caso, de vista em vista, tramita por quase dez anos sem solução e, a cada ano, milhões caem nos cofres das Centrais. Promíscua parceria entre Estado e Centrais…
O aviso prévio (de 30 dias) por força da CF deve ser proporcional ao tempo de serviço. Em 2011, o tempo do aviso passou a variar de 30 a 90 dias (art. 487 da CLT e Lei 12.506). Custo potencializado.
Inseriu-se, entre as atividades consideradas perigosas, antes restritas aos que trabalham com inflamáveis, eletricidade e explosivos, também o segurança pessoal ou patrimonial (vigilante). A obrigação surgiu em 2012 (quando presidia a Câmara dos Deputados o gaúcho Marco Maia, filho de valoroso vigilante). O adicional equivale a 30% do salário (art. 193 da CLT). Mais custo.
A gravidez iniciada no aviso prévio (de 30 a 90 dias conforme o tempo de serviço), mesmo quando “indenizado” (não trabalhado), assegura a estabilidade no emprego à mulher despedida, que deverá ser reintegrada. É o que vale desde 2013 (art. 391-A da CLT). Já ao adotante ou em guarda judicial (homem ou mulher) é assegurado o salário maternidade (arts. 392-A e 392-C da CLT). Custos e insegurança à empresa. Custos e custos ao INSS.
Quem trabalha com motocicleta passou a exercer uma atividade perigosa e, assim, fez-se merecedor do adicional de periculosidade. A novidade veio em 2014 (par. 4º do art. 193 da CLT). Circular em via pública, sempre perigosa, trouxe à empresa um acréscimo salarial significativo: 30% a mais do salário pago.
Cereja do bolo: a Lei nº 13.189, em 2016, criou interessantíssimo mecanismo de preservação de emprego, no qual o trabalhador que tem reduzida sua carga de trabalho, por falta de produção e à face da crise econômica, consegue a proeza de ganhar mais, pois o Governo paga a metade do salário do tempo reduzido. Só aqui, quando há crise, é possível trabalhar menos e ganhar mais.
Que tal?
A CLT, com os seus quase mil artigos, sempre esteve e está e estará apta a acomodar mais algum direito ou benesse.
No livro Afogados em Lei, há uma boa síntese: “… uma primeira leitura da CLT decididamente produz uma reação curiosa. Fica-se imediatamente atônito diante da extraordinária liberalidade com a qual a CLT estabelece direitos e garantias para os trabalhadores urbanos e suas organizações. Se o mundo do trabalho de fato funcionasse de acordo com a CLT, o Brasil seria o melhor lugar do mundo para se trabalhar. E se metade da CLT fosse cumprida, o Brasil ainda seria um dos lugares mais decentes e razoavelmente humanos para aqueles que trabalham em todo o mundo…” 2
Temos que admitir, a CLT continua estaqueando o Estado, sindicatos (obreiros e patronais), empresas e empregados, ainda que tenha sido customizada para uma dada época (1940) e um determinado standard de emprego3, quando a produção de bens e serviços não adotava, porque sequer existiam, as muitas “ferramentas” que fazem girar a atividade econômica na atualidade, já reinventados os conceitos de tempo, espaço, produção, disponibilidade, produtividade, competência e etc.
Como “o Brasil não é para amadores”, sugestivo título do livro do paranaense Belmiro Valverde Jobim Castor, parece inevitável admitir que a preguiça à reforma faça parte de um conveniente concerto entre os atores Estado, Sindicatos (de trabalhadores e empresários) e seus representados
Em fecho, nada a temer com a “reforma trabalhista”. Se tanto, veremos um retoquinho, sempre mediante a intervenção dos sindicatos dos trabalhadores.
Esperando estar errado, aguardemos o porvir, para não reafirmamos, mais uma vez, a predição de Roberto Campos, ainda no século XX, “por amor ao passado, o Brasil perdeu o presente e comprometeu o futuro”.
Notas:
1. O PL 5.483, alterava o art. 618 da CLT para a seguinte redação: “as condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem a Constituição Federal e as normas de segurança e saúde do trabalho”.
2. FRENCH, John D. Afogados em Lei. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001, p. 13-15.
3. Emprego industrial; predominância do trabalho manual; utilização da mão-de-obra masculina; regime de trabalho em jornada completa; ingresso jovem no mercado; permanência duradoura no emprego; baixa expectativa de vida.
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