Ações trabalhistas sobre discriminação mais que dobram em dez anos

O número de ações sobre discriminação mais do que dobrou na Justiça do Trabalho entre os anos de 2014 e 2024. De 314 casos registrados em 2014, o número passou para 861 no ano passado, um salto de 174%. Entre os processos, o assunto mais comum é o da discriminação racial.
Até o início de junho deste ano, a Justiça do Trabalho recebeu um total de 6.954 processos sobre discriminação, direta ou indireta. No total, eles discutem R$ 1,25 bilhão. Em média, cada pedido, de indenização por dano moral, gira em torno de R$ 200 mil. Na discriminação indireta, critérios aparentemente neutros prejudicam de forma desproporcional um grupo específico de pessoas.
As comarcas com maior número de casos distribuídos são São Paulo (SP), Montenegro (RS), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ) e Salvador (BA). As atividades econômicas mais acionadas são serviços financeiros, fabricação de alimentos, serviços de saúde, comércio varejista e serviços de apoio a escritório.
Um caso de discriminação direta foi julgado, recentemente, pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP). O trabalhador de uma fabricante de ferramentas dizia a um colega coisas como “preto tinha que nascer tudo morto” e fazia “piadas” com “macaco” para se referir a ele (processo nº 1000503-02.2025.5.02.0372).
A decisão cita o conceito de “racismo recreativo”, conforme o protocolo do CNJ, que consiste na reprodução de estereótipos negativos sobre pessoas não brancas, para justificar a condenação da empresa ao pagamento de R$ 24,5 mil a título de danos morais ao trabalhador.
Um exemplo célebre da discriminação indireta em processo trabalhista, segundo especialistas, é o caso do “menino Miguel”, que morreu ao cair de um prédio no Recife, quando estava sob supervisão da patroa da mãe – esposa do então prefeito de Tamandaré, cidade a pouco mais de cem quilômetros do Recife. O TRT de Pernambuco decidiu que a dinâmica de trabalho era permeada por atos “estruturalmente discriminatórios”, e que “gira em torno da cor da pele, do gênero e da situação socioeconômica” da categoria das trabalhadoras domésticas.
Os desembargadores concluíram que foi o racismo operante no mundo do trabalho que permitiu a naturalização da fraude contratual contra as empregadas negras, que eram formalmente contratadas pela prefeitura, mas prestavam serviço para a família do prefeito. O Tribunal Superior do Trabalho (TST), apesar de não analisar o mérito, manteve a decisão (processo nº 597-15.2020.5.06.0021). A defesa do prefeito e de sua esposa apresentou recurso (embargos de declaração), que ainda não foi apreciado.
Em um processo julgado no TRT da Bahia, uma trabalhadora do varejo era alvo de piadas do gerente, de colegas e de lideranças por usar acessórios relacionados à umbanda. Os colegas diziam que “ela ia baixar o santo” quando tocava música e não iria para o céu porque adorava o diabo. Citando o protocolo, o TRT pontuou que a empresa não adotou “qualquer movimento para interromper a situação”, arbitrando uma condenação por danos morais em R$ 20 mil (processo nº 0000280-78.2024.5.05.0611).
Entre os demais tipos de discriminação, destacam-se os relacionados ao gênero e à sexualidade, além dos casos de pessoas com deficiência. O TRT de São Paulo, por exemplo, reconheceu, em um processo contra uma empresa pública, que um funcionário foi vítima de capacitismo ao ser excluído do concurso para motorista por ter visão monocular, sem que a houvesse avaliação da possibilidade de adaptação e inclusão do empregado com deficiência. A empresa foi condenada a promovê-lo e a pagar a diferença salarial entre os cargos (processo nº 1002036-89.2024.5.02.0611).